Encontra-se em consulta pública desde o passado dia 13 de Junho de 2014, o Anteprojeto do Regime Jurídico do Serviço Público de Transportes de Passageiros (adiante designado por Anteprojeto) que tem como objetivo “reformar de forma estrutural o regime do transporte público de passageiros em vigor, de forma a garantir, no contexto do novo enquadramento comunitário, a estabilidade do sistema e dos seus intervenientes, a melhoria do funcionamento do sector e a gestão eficiente dos diferentes sistemas de transportes”.
O documento agora apresentado é constituído por 61 Artigos cobrindo as diversas áreas do serviço de transportes de passageiros. É ainda complementado por um Anexo que define os níveis mínimos de serviço público do transporte de passageiros. Sob o novo regime, as Câmaras Municipais e as Comunidades Intermunicipais passam a ter responsabilidades diretas sobre os serviços de transporte que funcionam dentro das suas áreas geográficas.
A informação aos passageiros é regulamentada neste Anteprojeto pelo
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n.º 7) do Artigo 21º;
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n.ºs 2) e 3) do Artigo 39º;
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alínea f) do n.º 1 do Artigo 46º;
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Artigo 6º do Anexo.
Com este parecer focado principalmente nos aspetos do Anteprojeto relacionados com o acesso do público à informação de transporte, o TransportesPúblicos.pt procura contribuir para melhorar a versão final e dessa forma aumentar a qualidade dos serviços de transportes de passageiros em Portugal.
Sumário executivo
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Gostaríamos de ver os passageiros com um papel consultivo das autoridades locais como forma de promover uma cidadania responsável e o desenvolvimento de associações locais de utilizadores de transportes coletivos. Consideramos ainda ser grave se se confirmarem as informações de que as associações de passageiros não foram envolvidas no processo de elaboração deste Anteprojeto.
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Reconhecemos que existe uma intenção de melhoria da informação ao público no Anteprojeto. Contudo, de uma forma geral as formulações são vagas, apresentam obrigações pouco claras e dão origem a diversas interpretações. As nossas propostas vão principalmente no sentido de tornar clara a informação mínima que consideramos ser exigível aos operadores e autoridades.
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Notamos ainda, ao nível da informação em formato digital, que o anteprojeto tem implícita uma visão ultrapassada da Internet como um repositório de informação estática, quando na verdade, o grande potencial deste meio de comunicação é a sua interatividade. O nível de exigência da prestação de informação online que se encontra implícito no Anteprojeto corresponde ao estado da Internet no final dos anos 90. O Anteprojeto parece negligenciar a evolução digital que ocorreu nos últimos 15 anos e que alterou a forma como os utilizadores se relacionam com a informação. A internet de banda larga, as redes de fibra ótica, as redes 4G (em breve 5G), o surgimento dos smartphones e tablets, a necessidade de informação em tempo real entre outros, colocam um nível de exigência na divulgação da informação que não é acompanhado neste Anteprojeto.
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Na nossa opinião, para que o Anteprojeto possa ter um impacto verdadeiramente estrutural nos próximos anos ao nível da informação ao público, promovendo a inovação no setor e preparando-o para competir num mercado único de transportes europeu, deveria seguir (e não ignorar) as recomendações do Livro Branco dos Transportes da Comissão Europeia.
“Innovation and deployment need to be supported by regulatory framework conditions. Protection of privacy and personal data will have to develop in parallel with the wider use of information technology tools.” White Paper on Transport
The availability of information over travelling time and routing alternatives is equally relevant to ensure seamless door-to-door mobility, both for passengers and for freight.” White Paper on Transport
“Online information and electronic booking and payment systems integrating all means of transport should facilitate multimodal travel.” White Paper on Transport
Detalhe
Não envolvimento dos passageiros
A revelar-se verdade, é para nós irónico que para a elaboração de um novo Regime Jurídico do Serviço Público de Transportes de Passageiros que regulamenta um serviço que serve os passageiros, onde os passageiros são os financiadores (diretos e indiretos) do serviço, e que pretende ter um impacto estrutural, não tenha sido, de acordo com a introdução (página 5) do próprio documento, consultada nenhuma das associações de utilizadores de transportes coletivos:
Foram consultados a Associação Nacional de Municípios (ANMP), a Associação Nacional de Transportadores Rodoviários Pesados de Passageiros Portugueses (ANTROP), a Associação Rodoviária de Transportadores Pesados de Passageiros (ARP), a Área Metropolitana de Lisboa (AML), a Área Metropolitana do Porto (AMP), a Autoridade Metropolitana de Transportes de Lisboa (AMTL), a Autoridade Metropolitana de Transportes do Porto (AMTP a Companhia Carris de Ferro de Lisboa, S.A. (Carris), a Metropolitano de Lisboa E.P.E. (ML), a Sociedade Transportes Coletivos do Porto, S.A. (STCP), a Metro do Porto, S.A. (MP) e a Transtejo – Transportes Tejo, S.A..
Esperamos por isso que até ao final da consulta pública do Anteprojeto algumas das associações de utilizadores sejam envolvidas na discussão. Gostaríamos ainda de ver a inclusão das associações de utilizadores no planeamento dos serviços de transporte locais e no acompanhamento dos contratos. Propomos, para isso a alteração do n.º 3 do artigo 12º:
3. O planeamento e a coordenação do serviço público de transporte de passageiros deve ter em conta os níveis mínimos de serviço público de transporte de passageiros referidos no presente capítulo e envolver a consulta às associações locais de utilizadores de transportes coletivos.
Pensamos que esta é a forma de promover uma cidadania responsável, que envolve os passageiros na discussão dos serviços de transporte locais e incentiva o crescimento de associações locais de utilizadores.
Artigo 6º do Anexo
Para promover a intermodalidade, parece-nos importante que nos diagramas de cada operador os interfaces com outros modos de transporte devam ser devidamente identificados. Assim, sugerimos
a) Informação adequada sobre o serviço público de transporte de passageiros, percurso, paragens com identificação dos interfaces e horários, com identificação do ponto de acesso em que se encontra;
Artigo 21º – Mínimo exigível
O artigo indica de forma explícita, detalhada e calendarizada a informação que os operadores devem registar junto do IMT, I.P. . No entanto, no que se refere à informação aos passageiros (que são quem utiliza o serviço) o n.º 7 do artigo 21º diz apenas:
7. Os operadores de serviço público devem divulgar ao público, na internet, informação relevante sobre as características do serviço público de transporte prestado.
Não é claro o que se entende por “informação relevante” nem para quem deverá ser relevante. A definição é tão vaga que fica também por saber em que circunstâncias ocorrerá o “incumprimento do dever de informação e comunicação a que se refere o artigo 21º” previsto na alínea f) do n.º 1 do Artigo 46º. Parece-nos que será sempre possível argumentar pela irrelevância de qualquer informação que não seja disponibilizada.
Sendo a Internet o principal meio de procura de informação de viagens (ver, por exemplo, Plano Estratégico Nacional do Turismo ou o White Paper on Transport) e tendo em conta que a sua predominância deverá aumentar nos próximos anos, não faz sentido que os serviços mínimos de informação online ao público sejam inferiores aos serviços mínimos de informação em suporte físico exigidos em cada local de acesso à rede, segundo o Artigo 6º do Anexo. Especialmente quando a) os custos de disponibilização de informação online são inferiores aos custos de informação em suporte físico, b) a propagação da informação online é mais rápida e abrangente; c) a internet permite a interação dos utilizadores com a informação, ao contrário do suporte físico.
Propomos que, no mínimo e seguindo a lógica do Artigo 6º do Anexo, o n.º 7 do Artigo 21º seja reformulado para:
7. Os operadores de serviço público devem divulgar ao público, na internet, informação adequada sobre o serviço público de transportes de passageiros, que inclua um diagrama da sua rede, percursos, paragens com indicação de interfaces e proximidade de serviços públicos básicos (bombeiros, hospital, escolas, etc) e horários para todas as paragens.
Sugerimos ainda a garantia de que esta informação é mantida atualizada. Ou seja, sugerimos a inclusão do n.º 8:
8. Previamente à entrada em vigor de qualquer modificação de serviço público de transporte de passageiros, devem ser atualizados os dados a que se refere o número anterior.
Finalmente parece-nos que embora cada operador possa disponibilizar a sua informação individualmente, cabe às autoridades em cada zona divulgar de forma centralizada o mesmo tipo de informação para a sua área de intervenção. Assim sendo, sugerimos a inclusão também do número 9.
9. Sem prejuízo do previsto no número 7., incumbe às autoridades de transportes a divulgação, online, de informação consolidada sobre o serviço público de transportes de passageiros na sua área de competência, que inclua um diagrama global da rede, percursos, paragens com indicação de interfaces e proximidade de serviços públicos básicos (bombeiros, hospital, escolas, etc) e horários para todas as paragens.
Artigo 21º – Cenário Ideal
As modificações sugeridas no ponto anterior são, no nosso entender, o mínimo exigível. Para a promoção da inovação e da concorrência na área da informação ao público (no espírito do White Paper on Transport) e o surgimento de soluções tecnologicamente inovadoras no setor dos transportes que fomentem a mobilidade sustentável, é essencial a disponibilização da matéria-prima, isto é, da informação das paragens, percursos e horários.
Consideramos, por isso, que para uma visão de futuro, o cenário ideal para o dever de informação seria o Anteprojeto tornar obrigatória a disponibilização de forma livre (com autorização de reutilização), atualizada e padronizada da informação de viagem para os utilizadores. Assim, a nossa proposta para os n.º 7, 8 e 9 do artigo 21º é:
7. Os operadores de serviço público devem divulgar online e autorizar a reutilização pública de informação adequada em formato a definir pelo IMT, I.P., sobre o serviço público de transportes de passageiros que operam, e que inclua pelo menos informação geográfica das paragens e percursos e informação alfanumérica sobre os horários em cada paragem.
8. Previamente à entrada em vigor de qualquer modificação de serviço público de transporte de passageiros devem ser atualizados os dados a que se refere o número anterior.
9. Sem prejuízo do previsto no número 7., incumbe às autoridades de transportes a divulgação, online, e autorização de reutilização de informação consolidada sobre o serviço público de transportes de passageiros na sua área de competência, que inclua pelo menos informação geográfica das paragens e percursos e informação alfanumérica sobre os horários em cada paragem.
Excelente parecer!
Realmetne é estúpido não envolver os passageiros no debate. Posso estar enganado, mas acredito que o mesmo não se passa com legislação relativa aos automobilistas e ao tráfego automóvel. Entidades como a ACP são provavelmente consultadas.
E há outro agravannte: Dos envolvidos no desenvolvimento desse anteprojeto, quantos são passageiros dos transportes públicos e quantos são automobilsitas?
Abraço!
Obrigado pelo comentário. Não tenho conhecimento do que se passa no setor automóvel, mas a ser verdade que os passageiros não foram envolvidos neste anteprojeto, parece-nos grave. Felizmente ainda não é tarde para que isso se altere, e esperemos que assim aconteça.
Ricardo
Enquanto representantes de uma Comissão de Utentes dos Transportes, (CUT SAC/F) concordamos plenamente com o vosso parecer, e da nossa parte também enviaremos o nosso parecer ao IMT, que no seu essencial se baseará nos mesmos pressupostos aqui apresentados. Cumprimentos
Obrigado pelo comentário! Esperemos que o parecer seja tido em conta e que sejam incluídas melhorias na consulta aos passageiros e na informação ao público. Quanto maior o envolvimento das diferentes comissões de utentes e associações do setor mais isso poderá acontecer.