Desde que comecei com este projeto e à medida que me vou reunindo com operadores, Câmaras Municipais, reguladores, jornalistas ou entusiastas pelo projeto ou pelo tema da mobilidade é-me pedido que comente temas relacionados com os transportes públicos. Uma das questões mais frequentes é a do preço: “Os transportes públicos em Portugal são caros?“. Entende-se por públicos neste contexto os serviços de transporte de passageiros que prestam serviço público independentemente de pertencerem a operadores públicos ou privados.
Esta questão é terrível por duas razões. Desde logo porque eu não sou um especialista em economia dos transportes públicos pelo que posso apenas basear a minha opinião na percepção que tenho da realidade e de alguns factos que conheço que serão sempre insuficientes para uma resposta mais precisa. Por outro lado a própria pergunta é demasiado abrangente para poder ser respondida com um sim ou um não.
Na pergunta está implícito que existe um sistema de transportes públicos em Portugal passível de ser comparado com outros sistemas de transportes públicos. O que é falso. O que existe em Portugal é um conjunto de serviços de transporte de passageiros com qualidade, frequência, acessibilidade, bilhetes e preços muito díspares entre áreas geográficas. Mesmo quando reduzimos a abrangência da pergunta aos grandes centros urbanos e às zonas fora dos grandes centros urbanos a resposta fica apenas um pouco mais fácil. Nos grandes centros urbanos existem grandes disparidades de serviços e a noção de “caro” ou “barato” é sempre relativa. Isto é, pagar 2€ por uma viagem pode ser caro ou barato dependendo da qualidade do serviço por que se pagou, dependendo do utilizador que paga e dependendo da comparação desse valor com o valor a pagar por serviços semelhantes.
Os grandes centros urbanos
Os grandes centros urbanos de Lisboa e Porto (entendidos aqui como incluindo não só os municípios de Lisboa e Porto mas também os municípios em redor de onde existem movimentos pendulares) possuem uma densa rede de transportes públicos. Possuem ainda sistemas de bilhética (mais ou menos) integrados e possuem operadores que efectuam rotas muito semelhantes, pelo mesmo preço, mas com serviços muito diferentes tornando a comparação mais fácil.
No Porto e por menos de 1,10€ podemos facilmente deslocar-nos mais de 15km, durante uma hora em diversos meios de transporte, em veículos com piso rebaixado, ar condicionado, informação visual e sonora e raramente esperando mais de 15min por algum deles. Podemos efectuar viagens de ida-e-volta com o mesmo bilhete e, na maior parte dos locais, temos à disposição várias alternativas de transporte para a mesma viagem. Para uma viagem de 15km o preço a pagar é de cerca 0,08€/km isto é, por exemplo, menos de metade do que se paga pela mesma viagem em Amesterdão ou pouco mais de metade em Bruxelas. Pese embora as especificidades da geografia do país, a Holanda é reconhecida como um dos melhores exemplos ao nível da mobilidade o que associado ao facto de eu lá ter vivido e conhecer a realidade o torna num país que uso frequentemente como termo de comparação.
Em Lisboa embora os preços sejam ligeiramente mais caros são ainda cerca de 40% abaixo do que se pagaria em Amesterdão e 30% abaixo do que se pagaria em Bruxelas. Em ambos os casos os preços estão de acordo com a diferença no nível de vida entre as cidades. Parece-me, por isso, que os preços de transporte são equilibrados nestas zonas.
É claro que utilizei uma situação muito específica e é, sem dúvida, discutível se o sistema tarifário é justo quando, por exemplo, viajar 2km ou 15km ou em veículos com e sem ar condicionado pode custar o mesmo ou se as zonas estão justamente definidas ou se os serviços poderiam ser mais eficientes para os utilizadores… mas isso são outras discussões…
Grandes centros urbanos – tarifas sociais
Estas tarifas têm como objectivo diminuir as assimetrias sociais. A comparação de preços não pode, por isso, ser feita com base na qualidade do serviço, mas com base na assimetria que pretende corrigir. Nos grandes centros urbanos não será difícil encontrar sentado no metro alguém que tenha mensalmente apenas 30% dos rendimentos de uma outra pessoa no mesmo veículo. No entanto, essa primeira pessoa pagará, pelo menos, 40% do preço bilhete da segunda. Podemos ver a situação por outro prisma. Para a pessoa com mais rendimentos, o passe mensal mais simples representará 1,9% (assumindo 485€ vs 1617€ no Porto) do seu rendimento. No entanto, mesmo com a tarifa social mais baixa, para a pessoa com menos rendimentos o mesmo passe representará 2,5% dos seus rendimentos. Se analisarmos passes mais caros, rendimentos mais baixos ou o caso de famílias com dependentes a cargo, a situação torna-se ainda mais gravosa.
Para estes grupos socialmente desfavorecido (que pode incluir eventualmente subgrupos não necessariamente desfavorecidos como os estudantes da escolaridade obrigatória) os transportes públicos são, na minha opinião, caros. Na Holanda e na Bélgica estes grupos viajam gratuitamente ou a preços bastante reduzidos…
Fora dos centros urbanos – algumas observações
Fora dos centros urbanos a situação é muito pouco uniforme. Várias localidades possuem sistemas eficientes, com qualidade e a preços justos. Noutras, a situação é bastante diferente.
Para contrapor com um exemplo de serviços de transporte que me parecem caros posso falar dos transportes públicos na Murtosa, onde me desloquei a semana passada. Era cerca da uma hora da tarde quando cheguei à estação de caminho de ferro de Estarreja. O autocarro para a Murtosa partia apenas às 14h. A esperar comigo estavam, para além do motorista, apenas as pessoas sem alternativa de transporte, já que mais de metade dos passageiros dos quatro comboios que pararam durante essa hora chegaram e foram de táxi ou em carro próprio ou de conhecidos. A média de idades dos oito passageiros desse autocarro, incluindo eu, era certamente superior a 65 anos. A distância entre a estação de Estarreja e o centro da Murtosa é de 7km. O autocarro demorou cerca de 20min a efectuar esse percurso pelo valor de 1,95€. Ou seja, quase 0,30€/km, ou aproximadamente o dobro do cobrado no Porto ou em Lisboa pela mesma distância em situações de conforto, frequência e acessibilidade não comparáveis.
É evidente que existem razões de oferta e procura para que o preço seja este. É também concebível, no entanto, que um modelo de negócios ou uma abordagem diferente poderiam permitir equilibrar as necessidades de sustentabilidade financeira do operador com as necessidades de deslocação da população. Para o tema deste texto, contudo, estamos perante um serviço de transporte público caro.